O filme começa com uma série de desenhos que resumem, um pouco, a vida e festas cotidianas da alta classe parisiense, no começo do século XX. Estas gravuras estáticas, ao contrário do que pode parecer esta descrição, lembram a forma de alguns desenhos animados antigos, como os de Pernalonga, os mais antigos.
A história começa com o tio Honoré (Maurice Chevalier) falando sobre o casamento e como a sociedade observa o comportamento dos homens e das mulheres naquela época e naquela cidade. É muito interessante quando um personagem se dirige ao público, olhando para a câmera, como se estivesse a confidenciar algo que só nós, privilegiados, saberemos. E, é exatamente o que este personagem faz. Abre o filme nos apresentando a cidade de Paris, os personagens e, quase dizendo, aproveitem o espetáculo, deixem-se levar pela emoção, venham comigo que eu lhes conduzirei a momentos de fantasia e distração, afinal, eu sei que vocês estão aí e, meu papel aqui, é fazê-los caminhar comigo pela trama da forma mais agradável possível.
Reparem como este personagem, em especial, é um perfeito anfitrião. Carismático, leve, simpático e divertido, aparece na trama nos momentos mais oportunos só para saber se está tudo bem e pontuar as partes fundamentais do que ele quer que prestemos maior atenção. Parece que, desde o começo, o filme quer conquistar, cuidar e tratar bem o público, naturalmente. E consegue.
Gigi (Leslie Caron) é uma menina de 15 anos e recebe educação da avó materna, Madame Alvarez (Hermione Gingold) já que sua mãe dedica-se, única e exclusivamente, aos ensaios de canto. Além da avó, sua tia-avó, Alicia (Issabel Jeans) lhe dá lições de bons modos, uma vez por semana, com a finalidade de, um dia, Gigi saber se comportar como uma dama e poder usufruir das vantagens financeiras que seus futuros namorados poderão lhe oferecer.
Percebam como a casa da avó é vermelha e a da tia é rosa/lilás, como se diferenciasse de um lado a vulgaridade e do outro o refinamento. Mas, na verdade, no primeiro caso, tem mais a ver com decadência, inquietação e desconforto, refletindo o sentimento, respectivamente pelas cores de Madame Alvarez e Alicia.
A atuação de Leslie Caron (Gigi) é de encher os olhos. Tentamos descobrir algo que denuncie a mulher real, por trás do personagem de 15 anos, mas não há rastro disto. Pelo contrário, se não soubermos a idade da atriz na vida real, passará despercebido, tranquilamente, esta diferença e isto faz nos crer que há ali uma garota, moleca, de apenas 15 anos. Só não será dito aqui, a idade, a fim de não influenciar o espectador fazendo com que dê atenção a este fato e não a outros mais importantes.
Observem o belo trabalho de figurino. E, neste caso, o que não é muito comum, deve-se prestar atenção ao figurino masculino. Este, muitas vezes deixado em segundo plano, na maioria dos filmes, é uma aula visual de roupas formais (ternos: calça social, colete e paletó; smokings, sobretudos, chapéus, bengalas, etc.). Olhem, mais atentamente, a dois pontos principais: o corte e a combinação de cores das roupas de Gaston. Os cortes são impecáveis; extremamente elegantes. E, o que mais chama a atenção é o fato de serem roupas do início do século XX, mas estão muitos próximas do que há de mais moderno e elegante neste início da década de 2010; cortes retos, justos, secos, sem qualquer tipo de prega; roupas enxutas, com sobras mínimas, apenas para que se tenha mobilidade e conforto. Reparem as barras. Invisíveis. Quem diabos inventou a barra italiana que tem por única função juntar sujeira (?)
Dica! Se você, homem, for convidado a um evento em que o traje seja passeio completo, dê uma olhada nos ternos do personagem Gaston, não há como errar.
Dica 2! Lembre-se, Gaston é magro, nada contra quem está acima do peso, mas convenhamos que roupa justa só para quem não tem uns quilos a mais.
Em contrapartida, vejam como os cenários e as roupas das mulheres, apesar de muito bem feitos e estarem de acordo com a trama, são kitsch. Chegam a incomodar. Roupas, salas, salões de festas, jardins. É o oposto das roupas masculinas, neste filme, chegando ao exagero de aparecer, em um baile, por entre as mesas, uma mulher em cima de um cavalo branco (Senhor!). O mais interessante é ver Gaston bocejar, como se dissesse, eu não faço parte disso. Mas, no contexto da história sabemos que até um cavalo branco no meio de um salão de festas é, no máximo entediante para ele.
A relação entre Gigi e Gaston - sim, eles começam a se envolver de forma crescente durante a história - é cada vez mais bela e nos leva a ficar na torcida que dê certo, mesmo que haja, por enquanto, apenas uma amizade pura entre o homem mais velho que enxerga em Gigi apenas uma criança sapeca - sim, isto também ocorre. Pois não, reparem na sequência em que os dois estão na praia. Todas as cenas ali tem uma cor, um tom predominante: o branco. Mais precisamente um bege, mais conhecido como champagne. Bebida esta que circula por toda a história.
O roteiro é de uma regularidade muito bem calculada, tanto é que nas cenas finais, ele nos chacoalha, nos tira o chão e nos oferece algumas boas surpresas nos deixando sem saber para onde ir, de forma intencional.
(Re)ver Gigi, é perceber dois mundos diferentes (masculino e feminino) de uma época mais fantasiosa, mas não muito diferente de hoje, a começar pelas roupas masculinas. É admirar e aprender um pouco mais sobre elegância masculina em se vestir e, ao mesmo tempo, tomar umas aulas de como ser um bom anfitrião, como Honoré o foi, e nos apresentou uma história previsível até, porém, encantadora.